A garoa era um reflexo do seu estado: ela estava nublada por dentro. Não chorava, mas se arrastava lentamente pela vida.
Fora obrigada a sair de casa naquele dia. Renovar o documento de identidade para quê? Ela não fez as regras, mas tem de cumpri-las. Entrou no ônibus e recebeu um bom dia do motorista. Respondeu sem vontade. Ao longo do caminho, notou que a gentileza não havia sido exclusividade: ele cumprimentava todos os passageiros e acenava para os conhecidos que passavam pela calçada.
Chegou à estação de metrô. Ao descer as escadas, ouviu o som do violino. A música aumentava conforme ela caminhava e logo reconheceu a melodia, era “Jesus alegria dos homens”. O violinista tocava lindamente, sequer desafinava. Ela sentiu vontade de chorar.
No guichê para pegar a senha, foi atendida por uma senhora usando óculos de lentes grossas. Gentil até a alma, fez todas as perguntas necessárias e concluiu os procedimentos com toda a calma.
Esperou pouco e foi atendida por uma moça, a simpatia em pessoa. Elas conversaram sobre banalidades entre as informações exigidas para a renovação do documento. No fim, ao entregar o protocolo, não deixou que ela segurasse o papel. “Pode deixar!” e o colocou gentilmente em sua pasta com os outros documentos exigidos.
No caminho para casa, ela chorou dentro do ônibus. O mundo não é tão cruel quanto ela imagina. Naquele dia, a delicadeza e a gentileza a salvaram da solidão.